As origens da Revolução Pernambucana
A Revolução Pernambucana, também conhecida como Revolução dos Padres,
devido a importância que os mesmos tiveram em sua organização e divulgação, foi
um movimento separatista contra a Coroa Portuguesa que ocorreu em 1817 na
capitania de Pernambuco.
Pernambuco possuía uma longa tradição de buscar a solução de seus
problemas com recursos próprios, desde a expulsão dos holandeses do nordeste
brasileiro em 1654, após nove anos de guerra com pouco apoio dos portugueses. O
contato com a administração holandesa, que permitia certa autonomia comercial e
cultural, somada à vitoriosa luta contra estes, tornou o povo pernambucano
particularmente orgulhoso e receptivo às ideias de liberdade e respeito aos
seus méritos, julgando-se com direito de contestar em diversas ocasiões a
autoridade do governo português, como na Guerra dos Mascates(1), em
1710.
No início do século XIX, a cidade Olinda e a vila Recife somavam mais
de 40 mil habitantes, um conjunto urbano grande para a época. Pernambuco
possuía um porto muito movimentado em Recife, alguns povoados e vilas com um
comércio ativo, muitas plantações de cana e algodão, além de centenas de
engenhos que fabricavam açúcar.
A exclusividade comercial com Portugal garantia a arrecadação dos
tributos à Coroa e dava aos comerciantes portugueses o controle sobre os prazos
e o preço das mercadorias, em uma relação desvantajosa que gerava um crescente
desagrado para os brasileiros. Outro motivo de descontentamento da elite
pernambucana era motivado pelo fato dos brasileiros raramente conseguirem
ocupar os cargos mais importantes da administração pública, reservados aos
portugueses.
A crescente pressão dos
abolicionistas na Europa criou crescentes restrições ao tráfico de escravos, o
que tornava esta mão-de-obra cada vez mais cara, sendo a escravidão o motor de
toda a economia agrária pernambucana.
Os holandeses passaram a produzir e comercializar açúcar a partir de
suas colônias na América Central (Antilhas), fazendo o preço do produto cair no
mercado e diminuir o número de compradores, prejudicando os lucros dos senhores
de engenho e comerciantes pernambucanos, tornando mais difícil o pagamento de
dívidas, a importação de mercadorias e dos cada vez mais caros escravos
africanos.
Em 1816 uma grande seca
atingiu Pernambuco e região, causando uma queda na produção do açúcar e do
algodão, que sustentavam a economia, o que gerou miséria e fome para parte da
população, com falta de farinha e
feijão.
Este conjunto de dificuldades pelas quais passava a capitania levou os
pernambucanos em busca de saídas para a crise, e eles encontraram novas
inspirações nos exemplos dos Estados Unidos e da França. Além disso, o apoio da
Inglaterra e dos Estados Unidos aos hispano-americanos em conflito contra a
metrópole espanhola alimentava a expectativa de que iniciativas revolucionárias
na América portuguesa pudessem contar com o mesmo tipo de ajuda. O fato de
haver uma considerável quantidade de ingleses estabelecidos nas grandes cidades
brasileiras e movimentarem uma quantia cada vez maior de dinheiro em seus
negócios reforçava essa expectativa, uma vez que os interesses dos britânicos
eram os mesmos que os das elites nordestinas, como o fim do monopólio e
estabelecimento do livre comércio.
Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, ocorre a abertura dos
portos brasileiros às nações amigas, favorecendo os comerciantes brasileiros,
que não precisavam mais dividir seus lucros com os intermediários portugueses.
No entanto, as iniciais vantagens econômicas e culturais com as visitas de
estrangeiros não foram seguidas por vantagens políticas.
A instalação da sede da monarquia portuguesa no Rio de Janeiro fez com
que todas as capitanias tivessem que pagar novos impostos sobre a exportação do
açúcar, tabaco e couros, criando-se ainda uma série de outras taxas, afetando
diretamente as capitanias do norte, que a Corte sobrecarregava com
recrutamentos e com as contribuições para cobrir as despesas das guerras na
Guiana e no Prata(2).
As riquezas que saiam de Pernambuco eram usadas para custear a crescente
estrutura burocrática do reino e financiar obras públicas para a modernização
da cidade do Rio de Janeiro, de modo a aumentar o conforto da corte portuguesa
e o prestígio com os visitantes estrangeiros.
Outro efeito da vinda da família real portuguesa para o Brasil foi o
deslocamento do eixo de importância política no Brasil do norte para o sul, o
que, juntamente com o sucessivo aumento de impostos, contribuiu para aumentar a
instabilidade política e as tensões sociais.
Na mesma medida em que diminuíam os lucros e o poder político da elite
pernambucana, aumentavam o descontentamento e desejo de autonomia. As conversas
criticando a Coroa Portuguesa aconteciam abertamente nas ruas, festas e
repartições públicas, tendo como um dos principais alvos o governador da
capitania desde 1804, capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro. O
experiente ex-governador do Mato Grosso era considerado tolerante, omisso e
pouco voltado para o trabalho, o que resultou em uma administração ineficiente,
com estradas e edifícios públicos mal conservados e serviços essenciais, como a
limpeza nas ruas, feitos com desleixo. Os militares, recebendo baixos salários
com atraso, pouco cuidavam dos problemas de segurança.
Entre aqueles que publicamente espalhavam ideias liberais e republicanas
destacavam-se os padres formados no Seminário de Olinda.
Pelo menos 70 padres participaram do levante, segundo os cálculos feitos [...]
sobre os autos da devassa. Entretanto, como muito dos documentos sobre 1817
foram destruídos pelos próprios revolucionários no momento em que as forças
realistas encurralavam os levantados, e como a devassa foi encerrada antes de
chegar às suas primeiras conclusões, é presumível que o número de eclesiásticos
na revolução pernambucana seja ainda maior. [...] A documentação é abundante em
demonstrar que o clero se empenhou em persuadir e aliciar a população a favor
da revolução, consolidando conquistas e intimando indecisos e desobedientes.
Próximos aos militares, os padres desempenharam diversos papéis nas tropas desde
capitães de guerrilha até soldados. Há até casos em que alguns conventos
serviram de campo de treinamento militar ou mesmo como local para alojar armas.
A revolução de 1817 só terá sucesso em se difundir por regiões mais amplas
quando fizer uso do aparelho eclesiástico, atingindo até mesmo os sertões por
meio de fios que ligavam os vigários, as igrejas e paróquias às grandes
autoridades do bispado. Os púlpitos, pastorais e até os livros de tombo das
paróquias estarão impregnados pelo ideário revolucionário. O governo provisório
por meio do clero fez circular pastorais instruindo os fiéis a abandonarem as
rivalidades que dividiam o rebanho entre brasileiros e europeus [...]. Dessa
forma, as pastorais, amparadas pelas explanações do clero serviram como um dos
vários instrumentos políticos de doutrinação para legitimar o levante.
(Andrade, 2011:246-247).
Os comerciantes portugueses, ligados à exportação de açúcar e algodão, estavam
cada vez mais amedrontados no ambiente hostil em que viviam, preocupados por um
lado com a violência de uma possível revolta de negros e mulatos e, por outro
lado, com a rivalidade dos grandes proprietários brasileiros, que se
consideravam nobres por possuírem terra e chamavam os lusitanos pejorativamente
de “mascates” ou “marinheiros”, porque estes chegavam da Europa em navios.
Contribuía para aumentar a hostilidade, o fato dos portugueses emprestarem
dinheiro aos brasileiros com juros mais altos do que a outros portugueses, e
cobrarem pesadas multas por atrasos nos pagamentos.
Fonte: Revista do Instituto do Ceará –
A história da revolução de 17, por Muniz Tavares na parte relativa ao Ceará.
http://historiasylvio.blogspot.com.br/2013/11/revolucao-pernambucana-de-1817.html