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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

‘Como ter cultura se 90% das cidades não têm um cinema?’ Jornal da Tarde-SP

CRUZADA - Juca Ferreira; o homem da Cultura de Lula fala que é possível diminuir a vala que separa museus, teatros e cinemas da maioria da população. E diz que a imprensa é pessimista demais

Júlio Maria, ulio.maria@grupoestado.com.br

Um ano e dois meses antes do fim da era Lula, o ministro da Cultura Juca Ferreira, 60 anos, repete a frase quando vê o brasileiro ao lado de povos ditos ‘mais cultos’. “Nós não somos feitos de um barro diferente.” Suas convicções e projetos, como o polêmico Vale Cultura, que oferece R$ 50 por mês a trabalhadores de baixa renda para serem gastos em cultura, prestes a entrar em vigor, e a reforma da não menos ruidosa Lei Rouanet, têm como ponto de partida uma visão curiosa. Ao JT de seu gabinete, por telefone, na última quarta-feira, o ministro reconhece que as coisas não estão bem, mas diz ver caminhos para que a cultura do brasileiro faça jus às pretensões de uma nação que se anuncia, ao menos em Brasília, como ‘o país do futuro’.

Um vale mensal de R$ 50 não é pouco para um trabalhador ir ao teatro, ao cinema e a shows em uma cidade como São Paulo?

Quando a gente não tem nada e passa a ter alguma coisa, isso já é um avanço. Eu concordo que é pouco, o presidente Lula concorda também. Ele me disse duas vezes que acha R$ 50 pouco, que poderia ser entre R$ 80 e R$ 100. Já perguntei a ele: ‘posso dizer isso, presidente?’. E ele respondeu: ‘tudo o que eu disser você pode dizer’. Agora, a maioria da população brasileira gasta entre R$ 30 e R$ 40 por mês com cultura. E a isso será acrescentado mais R$ 50. É pouco, mas não é desprezível.

Há uma exposição gratuita aqui em São Paulo, na Faap, dos artistas Os Gêmeos, reconhecida pela crítica como um acontecimento cultural no ano. É de graça, mas não vemos pessoas de bairros mais pobres por lá. E a cultura, mesmo gratuita, acaba circulando entre os mesmos que podem pagar por ela. Será que dinheiro resolve a questão?

Menos de 10% dos brasileiros entrou em um museu na vida, 13% vão uma vez por mês ao cinema e só 17% compram livros. E aí você vê que 92% dos municípios brasileiros não têm sequer uma sala de cinema ou de teatro. A gente tem de fazer uma política cultural que permita a abertura de cinemas, a diminuição do preço dos ingressos, o estímulo ao teatro. É um processo aí que, em um prazo de uns dez anos, poderá mostrar uma realidade diferente.

Dez anos?

Já há reflexos, algumas mudanças já começaram, mas olha só um exemplo sobre o que você falava: há cinco meses eu passei de carro pela Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, e olhei uma fila que ia da Cinelândia até a Praça Mauá. Disse no carro: ‘isso deve ser fila do INSS’. E a pessoa que ia ao meu lado disse: ‘não, é que hoje a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal cobra R$1 pela entrada no concerto’. Então, a gente não pode ser pessimista. Sobre a Faap, minha filha estuda lá, eu sei que é um ambiente elitizado, talvez a escola mais cara do Brasil. Então, certamente isso já é um fator de inibição, ela tende a ter um público coerente com essas características. O que você fala é real, é um ponto de partida, a restrição de uso inibe a frequência. E sabe de uma coisa? O fato desses equipamentos culturais estarem concentrados no centro da cidade ou em bairros de classe média dificulta porque as pessoas têm de sair da periferia, pegar um ônibus, sai tudo muito caro. E chega lá o cinema é caríssimo, a pipoca é a mais cara do mundo, há um sistema de economia da cultura para poucos no Brasil, e é preciso abrir isso. Olha, eu estive em Cuba agora e fiquei impressionado. Sabe qual é a tiragem de um livro por lá? Cem mil exemplares (no Brasil, a média é em torno de 3 mil).

O problema é que são apenas livros que o governo permite que os cubanos leiam…

Não diga assim não, eu vi lá, tem livro crítico ao governo também. Na Argentina, a mesma coisa. Nós não somos feitos de um barro diferente desse povo não.

O sucesso do seu ministério só acontece com o sucesso do Ministério da Educação?

Estamos tentando recuperar um casamento que foi desfeito há uns 30 anos, quando a Cultura foi para um lado e a Educação foi para outro. Essa formação de plateia que você fala tem de começar na escola. Um livro tem de ser bem apresentado para as crianças como uma fonte de prazer, não como uma tarefa. E tem de ter música na escola. Acabaram com isso com uma reforma (nas escolas) que só quis preparar o jovem para o mercado de trabalho.

Quando o excluído se intimida com o ambiente, ele cria sua própria cultura e…

(Interrompendo) Cria sua cultura e fica no sofá assistindo TV.

Desculpe ministro, mas ele cria culturas ‘não oficiais’ fortes como o hip hop, o maracatu…

Isso uma minoria, a maioria fica lá vendo TV no sofá.

Mas há movimentos fortes de periferia, o rap em São Paulo, os regionalismos em Salvador.

Não é só em Salvador não, regionalismo tem em São Paulo também.

Quando vocês pensam em regional pensam na Bahia, quando pensam em universal, pensam em São Paulo.

Só falei Bahia porque o senhor é baiano…

Não, vamos misturar isso aí que fica melhor.

Quando um homem se torna um profissional intelectualizado, como o senhor, ele não corre o risco de se distanciar dessas manifestações mais marginais?

Não é difícil entender. As pessoas não querem só comida, querem comida, diversão e arte. Eu vou lhe dizer uma coisa: nós estamos às vésperas de virar um grande país. Dentro de dez anos vamos ser a quinta economia do mundo e, se o pré-sal se mostrar viável em exploração, vamos nos tornar um dos 5 produtores de petróleo. Então, esse é um país que já está sendo respeitado, e não podemos carregar nas costas as mazelas que trouxemos da nossa história.

E que cultura teremos? Seu ministério historicamente sempre recebeu as menores verbas.

Nós temos um complexo de inferioridade permanente, um complexo de vira-lata, como dizia Nelson Rodrigues. Como vamos ter padrão cultural se mais de 90% dos municípios brasileiros não têm um cinema ou um teatro? Se em todos os países (que proporcionaram acessos culturais) funcionou, por que aqui não funcionaria? Nós não somos feitos de um barro diferente. Agora, sinto que o Brasil está andando para frente, mas vou dizer uma coisa que acho que você não vai gostar: o Brasil não percebe que está vivendo um processo positivo porque a imprensa se especializou nos aspectos negativos.

O senhor está repetindo um discurso do presidente Lula…

Não, estou de acordo com boa parte da população que sente necessidade de boas notícias. Por que só trabalhar o lado negativo?

O senhor fala isso por mágoas com relação a críticas feitas à Lei Rouanet (que garante dinheiro público para projetos de cinema, teatro e música)?

Eu saí pelo Brasil todo discutindo a Lei Rouanet e acho que ganhei a discussão.

Caetano Veloso sai para fazer shows com dinheiro público de Lei Rouanet. Adriana Calcanhotto vai se apresentar fora do País com dinheiro público. O que o povo ganha com isso?

Veja, os números da Lei Rouanet são muito negativos. Só 3% dos proponentes, que são os artistas consagrados, ficam com mais da metade do dinheiro e 80% desse dinheiro vai para artistas do Rio ou de São Paulo. Essa crítica tem um ponto de partida correto, mas um ponto de chegada errado. Se os artistas não precisam desse dinheiro, o povo precisa desses artistas. Você não pode ter uma política pública na qual você só oferte artistas que o povo não reconhece. Os grandes artistas são os que de fato permitem que façamos a ‘viagem humana’ cultural necessária a todos. A lei como é hoje não exige nada. Agora, na reforma que estamos fazendo, só empregaremos dinheiro em projetos que terão redução de custos, para dar acesso a mais pessoas. A bilheteria tem de baixar o preço.

E a qualidade do que se faz? Vemos ainda muita coisa ruim sendo feita com dinheiro público.

Eu vou dizer uma coisa que nem acho bom ficar falando. Quando cheguei a Brasília, assistia a todas as peças financiadas pelo Ministério. Se fosse crítico teatral, seria muito duro com a maioria das coisas que eu via. Agora, em lugar nenhum do mundo existe só produção de qualidade. Existem as muito boas, que é a minoria, as boas, as medianas e algumas porqueiras com as quais a gente tem que conviver.

O que o senhor acha da qualidade da TV no Brasil?

A TV aberta é um problema, nossos filhos lidam diariamente com sequestro, assassinato, parece que o mundo é infinitamente pior do que na verdade é porque descobriram esse filão aí (de noticiar tragédias) e estão indo cada vez mais longe. São tripas explícitas o tempo inteiro na tela no momento em que pessoas de seis, nove anos estão assistindo. Eu tenho um filho de nove anos. Ele mesmo desistiu de assistir televisão.

O filme ‘Lula, O Filho do Brasil’, que será lançado em 2010, já está sendo chamado de estratégia eleitoreira.

Com ou sem filme, Lula tem mais de 80% de popularidade. E por que se pode fazer um filme em torno de uma banda de rock, por que pode se fazer o 2 Filhos de Francisco e não se pode fazer um filme em torno de um personagem tão importante como o Lula?

TIRO AO ALVO

“Nós sofremos do complexo de vira-lata, como dizia Nelson Rodrigues. Como vamos ter cultura se mais de 90% dos municípios não têm um cinema?”

“A Faap é talvez a escola mais cara do Brasil. Então, certamente isso é um fator de inibição, ela tende a ter um público coerente com essas características”

“Com ou sem filme, Lula tem mais de 80% de popularidade. E por que se pode fazer o filme 2 Filhos de Francisco e não se pode fazer um de Lula?”

* Publicado por Marcelo Lucena/Comunicação Social
Jornal da Tarde-SP, Julia Maria,
fonte: Ministério da Cultura

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