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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Festas e danças lembram as raças que formaram os brasileiros



Alceu Maynard de Araújo diz que "seria um erro imperdoável classificar as nossas danças pelas influências de origem, porque isso, seria afastar-se de um critério realmente científico".

Com o devido respeito ao mestre, contrariando a sua advertência, como o fizemos nos Folguedos populares, vamos manter o mesmo roteiro que nós traçamos, por nos parecer que ele facilita esta exposição despretensiosa, onde a síntese deve predominar e que visa apenas, dar uma visão panorâmica de assunto tão complexo para encaminhar o debate dos especialistas.

Começaremos por tratar das danças sincréticas, isto é aquelas que foram criadas no Brasil pelo elemento civilizador, mas com nítida influência indígena.

É o caso das danças religiosas, inventadas pelos jesuítas na luta da catequese do índio, como a dança de Santa Cruz, a dança do cururu e o cateretê.

Dança de Santa Cruz: De caráter religioso. É praticada no interior de São Paulo. Produto de canto, elemento litúrgico — por excelência, ensinado pelo jesuíta e a dança de roda dos indígenas.

Essa dança é executada diante de uma cruz colocada nos portais das casas. Não há traje especial. Os dançantes vão batendo os pés, compassadamente, sob o ritmo da viola. É também conhecida por sarabacué, vocábulo de origem indígena.

Cururu: dança também de fundo religioso, geralmente realizada à noite com canto de desafios improvisados com acompanhamento de viola. De uso ainda, em Mato Grosso e São Paulo.

Cateretê: dança semi-religiosa e semi-profana, usada pelos catequistas e muito difundida entre os caipiras de São Paulo. Sua área, outrora, se estendia de Sorocaba a Cruz Alta — no Rio Grande do Sul. Era a dança dos tropeiros e nela não intervinham mulheres. Pelos caipiras é dançada com tamancos e pelos tropeiros antigos, com grandes esporas, que retiniam acentuando o compasso. Ainda de uso no estado do Rio e São Paulo.

Dança de São Gonçalo: de caráter religioso e influência portuguesa, que se realizava após a devoção a São Gonçalo de Amarante, português, segundo alguns, padroeiro dos violeiros e guitarristas. Essa dança é de uso muito antigo no Brasil e hoje ainda é praticada no litoral do Rio de Janeiro, Piauí, Maranhão, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.

Fandango: originário da Península Ibérica, comum à Espanha e Portugal. Não é propriamente, uma dança, mas um conjunto de danças, de uso nos estados do sul. Está ligado ao canto e à viola. Até fins do século XVIII esteve em voga até mesmo em festas palacianas. Hoje só é praticada no ambiente rural. Nos estados do norte se confunde com a marujada e nos estados do sul, principalmente no Rio Grande, ainda está em plena vigência, é sinônimo de bailes, onde se dançam várias danças regionais.

Para o Rio Grande o fandango foi trazido pelos açorianos. Cerca de uma centena de denominações registram os folcloristas para as danças do fandango, no sul do país: chico, ciranda, dandão, curitibano, reliz-amor, macaco, manjericão, feliz-meu-bem, mico, morada, morro-seco, marujo, nhá-maruca, passado, pericão, pica-pau, pipoca, recortado, sabão, sapo, serraria, anu, caranguejo, pezinho, tatu, chimarrita, queromana, tirana, vilão e uma infinidade de outras.

O Movimento Tradicionalista do Rio Grande do Sul, fundado há 25 anos reviveu os velhos fandangos, que passaram a ser praticados nos Centros de Tradições e pelas Campanhas Gaúchas, onde sempre existiram e foram praticados.

Fado: usado, ainda, no estado do Rio de Janeiro, com diversas modalidades: mana-chica, feijão-miúdo, quindim, andorinha, balão-ligeiro, extravagança, etc.

É uma dança figurada, semelhante à quadrilha, com canto e acompanhamento de viola, como informa Rossini Tavares, inspirada, sem dúvida no fado português, embora a dança seja tipicamente brasileira, e tenha, em certa época, atingido os altos salões sociais.

Carimbó: de uso na Amazônia. Sua origem é controvertida, mas na opinião de autoridades em folclore, seria uma das danças do fandango desgarrada para a Amazônia.

Lundu ou lundum: nascida do batuque dos escravos e que chegou até as classes altas. "Dança, onde braços e pernas se agitam com aquela ênfase que só os povos primitivos, sabem dar as suas danças", no dizer de Maynard Araújo. É uma dança acompanhada de versos satíricos, que chegam a ser proibidos como destruidora dos bons costumes. De uso no Pará e Bahia.

Jongo: sobreviveu em poucos lugares do Brasil, mais precisamente em São Paulo e na zona da cafeicultura fluminense e capixaba. Oriundo de Angola, constitui a mais rica herança da cultura negra. Enraizou-se nas terras por onde andou o café. Em Minas é conhecida por caxambu. Bambelô é uma de suas variantes.

Batuque: Possivelmente, originário de Angola ou do Congo. Apresenta aspectos diferentes em diversas regiões do País. Chegou a ser proibida pela igreja por sua imoralidade. É uma dança de umbigadas, dança sensual de senzala. Dela se derivam muitas outras danças.

Baiano ou baião: dança rasgada, lasciva, movimentada ao som de canto e acompanhamento de viola e pandeiro, originário dos africanos, transformação de suas danças tradicionais, como o maracatu e o batuque. Assim o definiu Silvio Romero. Modernamente modificado por Luiz Gonzaga, em 1946, tornando-se vitorioso em todo o Brasil.

Samba: dança que procede do batuque, nativa de Angola e do Congo. Samba é corruptela de semba. É dança de umbigada como o batuque. Como o frevo pernambucano, já deixou de ser folclórico, mestiçando-se com outras músicas. Alguns folcloristas consideram folclórico o samba-lenço, modalidade do samba rural, dançado em São Paulo e o samba-roda já em sincretismo com o fandango. O samba carioca não é folclórico e sim popular.

Além dessas, teríamos, ainda, de influências africana as seguintes danças: tambor de crioula (Maranhão); tambor de negro (Maranhão); baião de negro ou punga (Maranhão); baião de negro ou macaba (Maranhão) e dança do tambor (Goiás).

Rossini Tavares de Lima relaciona como variantes da carimbó, peru de atalaia, camaleão, jacaré, gambá, bagre e retumbão, de uso no Pará.

A desfeiteira, no Amazonas; baio e xexem, no Piauí, esta última de origem árabe; melindó, no Ceará, dança de roda executada só por mulheres; serrote, no Rio Grande do Norte; xaxado, em Pernambuco; xenhennhem, em Alagoas; siriri no Mato Grosso. Todas essas danças são de origem controvertida, possivelmente criação do nosso mestiço brasileiro, inspirado em outras danças.

No Rio Grande do Sul, teríamos, ainda: dança dos facões, reminiscência da dança pírrica, dança guerreira da Grécia, de origem dórica, que era executada com armas na mão. Serviam aos homens, desde a infância, como preparação para os combates, origem remota da danças das espadas, universalmente conhecida. Dela vieram os paulitos portugueses e o tum-dum-dum paraense; a chula, originária da Galiza, de uso em Portugal e Espanha. Dança acrobática de competição, só de homens, praticada no Rio Grande do Sul, desde os tempos remotos.

As polcas e mazurcas, de origem polonesa. Os chotes, de origem germânica; as milongas e rancheiras, de origem platina, todas já incorporadas ao velho fandango gaúcho.

Merece, ainda, ser lembrada a quadrilha, de uso universal, originária da França, que, no passado, deslumbrou os grandes salões europeus e brasileiros, que foi comum a todo Brasil e, hoje ainda sobrevive nos bailes camponeses do Rio Grande e de outros estados.

("Festas e danças lembram as raças que formaram os brasileiros". Diário de Notícias. Porto Alegre, 24 de fevereiro de 1974)

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