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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

CRÔNICA: O HOMEM QUE VIRAVA LOBISOMEM

Ele existiu sim. Esse eu conhecí. Foi em meados de 1961 ou 1962, me foge a memória quando fui morar no bairro Pimenta, em Crato. Alí eu o ví pela primeira vez. Ele era um sujeito alto. Aliás, muito alto. Tinha lá seus metro e noventa. Caminhar lento e passos largos. Um típico modelo “etíope”. Tinha a pele enegrecida mais pelo sol que pela cor. Ele era um mulato escuro. Pouca barba e cavanhaque grisalho meio comprido e pontiagudo descendo queixo abaixo. Seus olhos eram caídos, meio mortos, avermelhados e um pouco escondidos pela aba de um chapéu de palha, de abas longas. Ele “tangia” porcos a caminho do matadouro do Crato toda sexta-feira pela manhã, por volta das sete horas. Era essa a hora em que eu saía para a escola. Talvez pela sua ocupação chamavam-no Miguel dos Porcos. Era esse o seu nome. O homem que virava lobisomem.

Quando o ví pela primeira vez, ele me pareceu uma pessoa boa, pacata, calma. Tinha uma voz grossa e rouca, falava lento e sempre me dava um sonooooro, rouco e leeeeento “Bom diiia meniiino”... Na realidade Eu o tinha como um “bom velhinho”.

Até que um dia presenciei uma conversa de algumas pessoas mais velhas.
-Ouví falar que o Miguel dos Porcos vira lobisomem. Será verdade essa história?
-Eu acho que é. Porque eu também já ouví essa mesma história. E dizem que é sempre nos dias de sexta-feira à meia noite. Ele desaparece. E quando ele desaparece... depois da meia noite sempre aparece um lobisomem atormentando as pessoas e correndo atrás dos cachorros.

Meu Deus do céu. Aquilo soou como uma bomba nos meus ouvidos. Eu não queria ter escutado. Não podia acreditar. Como pode um homem tão calmo virar bicho? Se transformar num lobisomem? Como pode acontecer?? Por que acontece isso?? E será que ele mata crianças??

A partir daquele dia o medo tomou conta de mim. Sempre que seguia o meu caminho em busca da escola nos dias de sexta-feira, eu evitava o caminho, ou o encontro com o homem que virava lobisomem. Passei a ter pesadelos terríveis.

Contei a todos os meus amigos, que também passaram a ter medo de Miguel dos Porcos. Surgiram estórias e estórias e estórias de lobisomem, de crianças que foram engolidas vivas por um bicho, de papa-figo, de caipora, etc, etc. Foi o fim dos tempos. Nunca mais tivemos paz. Miguel dos Porcos por muito tempo permeou o universo dos nossos medos e pesadelos.

Aí veio o tempo e essa estória foi caindo no esquecimento dos que ficam adultos. Estórias de quando éramos crianças. No entanto, por curiosidade, um dia eu, conversando com um ex-magarefe, chefe de compras e responsável pela entrada de animais no antigo matadouro do Crato, tocamos em alguns nomes de antigos comerciantes de animais. Entre eles, lá estava Miguel dos Porcos.

Foi aí que me explicaram o motivo da fama de lobisomem. O Miguel dos Porcos era uma pessoa que vivia só. Não tinha família. Pelo menos que se saiba. Não tinha pai, irmãos, filhos, não tinha ninguém. Na sexta-feira, depois de negociados os porcos, o dinheiro arrecadado por Miguel tinha um único caminho: A bodega(pequena mercearia) que ficava em frente ao matadouro. Alí, todo o seu dinheiro era trocado por cachaça. Miguel bebia até o cair da noite.

O prédio do matadouro ficava fora da cidade. Entre o bairro do Pimenta(ultimo bairro) e o matadouro, se passava por um trecho de mato. Assim é que, no seu caminho de volta, já completamente “trêbado”, batia a velha rebordosa da solidão em que vivia.

Miguel dos Porcos começava então a chorar. E chorava alto. Choro leeeento, groooosooo, roooucoo, semelhante a uuurrrooo. Quase aos gritos, tomava então o rumo do mato. Fugia para que as pessoas não o vissem chorando suas mágoas, sua solidão talvez. Nessa hora, os transeuntes que ouviam aqueles lentos e roucos gemidos concluíam:
-Parece até que ele tá virando bicho...

O boca a boca se encarregou do resto. Falavam de um homem, negro, alto e feio, que nas noites de sexta-feira uivava dentro do mato. Principalmente em noites de lua cheia. Até chegarem à conclusão de que Miguel dos Porcos virava bicho, virava lobisomem na sexta-feira à noite foi um nada de tempo. Mas ele existiu sim. Eu o conheci.

WILTON DEDÊ

Um comentário:

  1. Lembro desse cidadão e também tenho meus relatos a respeito da figura, diziam que ele bateu na própria mãe e desde então foi amaldiçoado, após a morte da mesma, "Miguel preto", como assim eu o conhecia, virava lobisomem, comia porcos,se escondia na ponte do matadouro, dentro do matagal do canal, e assustava as pessoas que por ali passavam, isso são lendas do nosso Crato, sabiamente lembradas pelo autor Dedê, que nos enriquece com o brilhantismo do uso das palavras nesse texto, passando para os leitores um monte de saudade daqueles tempos em que éramos mais ingênuos, e que os causos contados por nossos avós, tinham um prazer que só quem viveu pode saber do que falo! parabéns!

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