Rosemberg Cariry
"Muitos leitores do blog me pedem pra divulgar algo sobre o caldeirão, o que de fato aconteceu, atendendo a pedidos posto um artigo sobre o filme feito pelo nosso cineasta Rosemberg Cariry."
Capela de Santo INácio de Loyola - Caldeirão - Jackson Bantim
No último dia do XIX Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, na Sala Alberto Nepomuceno do Teatro Nacional, uma platéia interessada foi surprrendida com um longa-metragem produzido no Ceará, que revela um episódio histórico até hoje pouquíssimo conhecido: "O Caldeirão de Santa Cruz do Deserto".
Se as figuras do padre Cícero Romão (1844-1934) e Antônio Conselheiro (1828-1917) são conhecidas na história oficial, pouco - ou quase nada - se sabe do beato José Lourenço (1875-1946), que há 50 anos passados, foi responsável por um movimento messiânico - com algumas semelhanças ao que teve lugar na zona do Contestado, entre o Paraná e Santa Catarina - com um final sangrento, com centenas de vítimas.
Partindo de pesquisas sobre o camponês chamado José Lourenço, que por volta de 1980 chegou a Juazeiro do Norte e tornou-se um dos beatos que circulavam pela cidade, o cineasta Rosemberg Cairy, 32 anos, realizou, a custa de imensas dificuldades o filme "O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto", misturando material de pesquisa (fotos, ilustrações, cenas de documentários) com depoimentos de remanescentes dos episódios que culminaram em 1936.
Responsável pelo setor de cultura popular da Secretaria da Cultura do Ceará, já tendo três curtas-metragens em sua filmografia ("Profana Comédia", 1875; "Patativa do Assaré", 81 - co-dirigido por Jefferson de Albuquerque Jr., já exibido em Curitiba e "Canto Cariri"), Rosemberg Cariry trabalhou por mais de 3 anos, com poucos recursos (o custo total foi de apenas Cz$ 900 mil) para resgatar a saga do beato José Lourenço, que a história oficial ignora - mas que está entre as figuras marcantes do agreste cearense.
Amigo de Berenice Mendes, cineasta paranaense que, há anos, sonha em fazer um filme sobre a experiência anarquista da Colônia Cecília, em Palmeira, Rosemberg, é um ativo documentarista.
E dentro de uma proposta de mostrar o que foi a luta do beato Lourenço e seus adeptos conseguiu mobilizar uma equipe de idealistas apaixonados por cinema, motivar os poucos remanescentes do episódio histórico e realizar um filme em 16mm, que mesmo com naturais deficiências técnicas, merece ser visto por quem se interessa pelas coisas de nosso País.
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Afinal, quem foi José Lourenço?
Rosemberg lembra que este beato, em princípios deste século, arrendou um sítio (Baixa Dantas) próximo ao Crato. Para lá seguiram diversas famílias que, com o trabalho comum, fizeram a terra prosperar. Certa vez o padre Cícero pediu-lhes que cuidassem de um boi que receberam de presente do industrial Delmiro Gouveia (1863-1917). Dada a sua proveniência e pela beleza do seu porte, o animal, de nome Mansinho, tornou-se motivo de desmedidos cuidados por parte dos moradores do sítio. A imprensa reacionária, da época, acusava os camponeses de rasparem o casco e utilizarem os excrementos do boi para fazer medicamentos. Ornamentavam-lhe os chifres com flores.
Floro Bartolomeu, político local e braço direito do padre Cícero, perseguia qualquer manifestação que considerasse fruto do fanatismo. Por isto, prendeu José Lourenço e matou o boi - num episódio que, de certa forma, seria, indiretamente, tema para "Os Fuzis" de Ruy Guerra (1965), um dos clássicos momentos do Cinema Novo.
Ao sair da prisão, o beato Lourenço teve que deixar a região de Baixo Dantas mas, em 1926, o padre Cícero consentiu que seus seguidores se fixassem em outro sítio, também de sua propriedade: O Caldeirão, também próximo à cidade do Crato. Apesar do chão agreste, o local se tornaria, graças ao trabalho dos camponeses, produtivo e se desenvolveria com mais de 400 casas, agricultura, pecuária etc. Isto começou a atrair romeiros e outro beato que percorria os sertões, Severino Tavares, exortava o povo para que seguisse ao Caldeirão - terra da fartura e da promissão. Durante a terrível seca de 1932, o beato José Lourenço chegou a alimentar, além de seu povo, um grande número de flagelados.
Com a morte do Padre Cícero, há 51 anos, os padres Salesianos ficaram com suas propriedades e reivindicaram a posse do sítio Caldeirão, que deveria ser entregue sem indenizações, ignorando-se, portanto as benfeitorias ali feitas. O beato José Lourenço tentou comprar o terreno, inutilmente. Surgiram denúncias que o acusavam de fanatismo, de possuir um "Harém" de mulheres e mesmo armas estrangeiras. Resultado: houve intervenção armada em 11 de setembro de 1936 e o beato Lourenço e alguns de seus seguidores refugiaram-se na serra do Araripe. O sítio foi destruído, saqueado e vendido em leilão público - sob as vistas das mulheres, crianças e velhos que não fugiram das tropas.
O capitão José Bezerra ficou em Juazeiro para impedir que os camponeses voltassem a se reunir no Caldeirão. Em maio de 1937, alguns remanescentes, liderados pelo beato Severino Tavares, armaram-lhe uma cilada na qual morreram o capitão Bezerra, seu filho Anacleto e mais dois soldados. Foi a gota d'água: as autoridades enviaram tropas bem armadas e três aviões que provocaram um massacre - alegando estarem acabando com o perigo de uma "nova Canudos".
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Para contar este fato histórico, Rosemberg Cariry, buscou fazer um filme com dois enfoques. Explica:
- De um lado, é um documentário longa-metragem, a cores e preto e branco, com depoimentos e imagens inéditas sobre a destruição de uma comunidade rural. Por outro lado, trata-se de uma produção cearense, com 80% dos recursos humanos e financeiros do Ceará. É, assim, um filme que marca o encontro do povo cearense com a sua memória, durante tantas décadas amordaçada e marca também a presença do Ceará como novo e importante centro de produção cinematográfica do Nordeste.
Embora tenha servido de cenário a muitos filmes (ainda agora, Bruno Barreto ali roda "Luzia Homem"), foram poucos os filmes cearenses que conseguiram lançamento comercial. "O Homem de Papel", policial de Carlos Coimbra e "Iracema", baseado em José de Alencar, estão entre eles - além de "Tigipió", de Pedro Jorge de Castro, premiado no ano passado no Festival de Brasília e que concorreu no Fest Rio e, posteriormente, em Gramado, este ano.
Em compensação, um longa-metragem sobre o Padre Cícero, rodado em Crato, nunca teve exibição no Sul. Rosemberg sabe das dificuldades de comercialização de seu filme, a começar pela própria bitola de 16mm, mas acredita que numa época em que a questão agrária é discutida com tanta veemência, a visão de "O Caldeirão de Santa Cruz do Deserto" seria oportuna.
Entre os depoimentos colhidos para o filme está o de uma figura maravilhosa do Ceará, o poeta popular Patativa do Assaré, cuja obra passou a ser mais conhecida depois que outro cearense, o compositor Raimundo Fagner, gravou dois discos na CBS, em que este artista do povo diz os seus versos - extremamente sociais.
documentário cearense sobre um fato esquecido pela história.
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