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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Antônio Higino inovou ao montar, numa kombi, a itinerante mercearia "Aplauso"e para o empréstimo de cordéis



 Ao lado da Kombi, o comerciante Antônio Higino vende mercadorias de acordo com a   quantidade que o cliente deseja comprar e ainda promove a cultura com empréstimo de cordéis
FOTO: ANTONIO VICELMO

Crato - Uma Kombi velha, caindo aos pedaços e portas trancadas com um ferrolho, foi transformada numa bodega e numa cordelteca volantes. A iniciativa é do comerciante Antonio Higino, ex-proprietário da Mercearia "Aplausos", que tem como apelo publicitário a frase "onde o ´lascado´ tem vez".

Ao mesmo tempo em que abastece o comércio da periferia do Crato com bombom, doce, bolacha, pipoca, refrigerante e outros produtos de baixo custo, Higino leva cultura popular aos pobres com o empréstimo gratuito de cordéis, a maioria de autores cratenses, integrantes da Academia dos Cordelistas do Crato.

Junto com a mercadoria, ele conduz quase mil cordéis numa caixa. O restante é pendurado em cordões amarrados na Kombi. Além da exposição dos cordéis, ele dispõe de todos os títulos disponíveis. O mais procurado deles, segundo afirma, é "O Linguajar Cearense" de autoria da poetisa Josenir Lacerda. O cordel lembra os termos usados pelos cearenses, conforme a autora define neste verso: "Quem muito agarra, abufela/Briga pequena é arenga/Enganação, esparrela/Toda prostituta é quenga/Rapapé é confusão/De repente é supetão/Insistência é lenga-lenga".

Para locação de um dos cordéis, não tem burocracia. Basta escolher e se comprometer a devolver o exemplar. "É uma forma de divulgar a cultura popular", diz o comerciante, esclarecendo que está juntando o útil ao agradável. "Ao mesmo tempo em que vende mercadorias, valoriza a cultura popular".

Higino conhece todos os moradores pelo nome. Para o cordelista Chico Nascimento, o gesto de Higino sensibiliza e emociona os autores dos cordéis, principalmente porque ele é uma pessoa simples que utiliza o seu tempo e até as suas parcas economias para manter viva uma tradição que nem sempre é reconhecida pelo poder público.

O sargento do Ronda do Quarteirão, Francisco Fábio Alves, conhecido por "Fabim", que reside na Rua da Grota, ao lado de Higino, diz que o trabalho do comerciante é uma contribuição para a construção da identidade cultural do Cariri, que vem sendo ameaçada pela modernidade que invade o sertão. O policial, que mantém um espaço na rua da Grota para exibição de grupos folclóricos, ressalta que Higino está prestando um serviço à comunidade.

Descrença

Quem não acredita nesse projeto é o pai de Higino, José Higino da Silva, conhecido por "Zezim", um aposentado proprietário de 18 casas pequenas no bairro. Silva diz que o filho está perdendo tempo e dinheiro. "O meu filho só pensa nos outros. Mesmo assim, como pai, estou do lado dele", afirma.

História

A história de Higino vem de longe. Começou em Salvador (BA), na década de 1980, onde ele trabalhava. Ele tentou comprar a metade de um frango para matar a fome. O proprietário da mercearia disse que só vendia o frango completo. Higino tomou uma decisão: "um dia eu vou montar uma venda para vender somente a quantidade que o freguês desejar.

O objetivo, segundo afirma, era atender aqueles que, como ele, são considerados "lascados" - conforme a expressão cearense para designar pessoas com baixo poder aquisitivo, isto é, enfrentam dificuldades.

Lascado

Quando voltou ao Crato, primeira providência foi abrir uma bodega com o nome "Aplausos", seguido do subtítulo "Onde o Lascado tem Vez". Ali, ele vendia tudo no rateio: uma colher de margarina, meio pacote de sal, 100 gramas de café, a metade de uma caixa de fósforos, enfim, a quantidade exigida pelo consumidor. Terminou entregando o comércio à mulher que, segundo afirma, não deu continuidade à filosofia de trabalho. Daí, Higino transformou-se num vendedor ambulante, transportando as mercadorias numa carrocinha. Depois comprou um fusca e agora está com uma Kombi. O sistema de venda é o mesmo: atender aos pequenos comerciantes que não têm condições de comprar grandes quantidades de mercadorias. Manteve na porta da Kombi o mesmo slogan.

Molambo

Além da venda, ele compra ou troca, em mercadorias, material reciclável como, por exemplo, caixas vazias de ovos e garrafas de vidro e de plástico. "Fazemos qualquer negócio para não voltar ´batendo´", diz Higino, referindo-se a voltar com a Kombi totalmente vazia e ainda acrescenta que este tipo de trabalho é prazeroso porque "divulgo a cultura popular e ainda ganho dinheiro para o sustento da família. É muita coisa para quem nasceu no sítio em Acopiara chamado ´Molambo´", finaliza.

ANTÔNIO VICELMORepórter

fonte:http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=824883

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