Nascido em Paris em 9 de abril de 1821, Baudelaire foi um dos maiores poetas franceses de todos os tempos. Alguns o consideram um antecessor do parnasianismo, ou um romântico exacerbado. Pioneiro da linguagem moderna, impôs à realidade uma submissão lírica. Embora muito criticado, tinha entre seus admiradores homens como Victor Hugo, Gustave Flaubert, Arthur Rimbaud e Paul Verlaine.
Tanto As Flores do Mal como Pequenos Poemas em Prosa (póstumos, 1869), do qual extraímos o fragmento desta edição, introduziram elementos novos na linguagem poética, fundindo opostos existenciais como o sublime e o grotesco.Baudelaire foi também um exímio tradutor da obra do poeta e contista norte-americano Edgard Allan Poe
Em sua buliçosa vida, registra-se também a participação na Revolução de 1848, na França. À época, ocorreram revoluções democráticas e populares em toda a Europa Central e Oriental. A Primavera dos Povos, como ficou conhecido esse período revolucionário, decorreu da existência de regimes autocráticos, de crises econômicas, de falta de representação política das classes médias e da dominação imperial.
Foram revoluções de caráter liberal, democrático e nacionalista, iniciadas por membros da burguesia e da nobreza que exigiam governos constitucionais. Contaram com a participação em massa do nascente proletariado e dos camponeses, que faziam seu batismo de fogo nas trincheiras da luta de classes. A Primavera dos Povos foi um importante elo no processo de acumulação de forças que resultaria anos depois na Comuna de Paris (1871).
Charles Baudelaire influenciou direta e indiretamente as gerações posteriores de poetas, formadas no início do século 20 e marcou profundamente toda a moderna poesia ocidental.
Os Pequenos Poemas em Prosa, também conhecidos como Spleen de Paris, são 51 poemas escritos em prosa poética. Foram criados entre 1855 e 1864. Quarenta deles foram publicados em diferentes Diários de seu tempo; os demais tiveram publicação póstuma, entre 1867 e 1869.
O título Pequenos Poemas em Prosa com freqüência vai seguido do subtítulo Spleen de Paris (que se assemelha a títulos de duas partes de As Flores do Mal: Spleen e Ideal e Quadros parisinos. Efetivamente, em vida, Baudelaire mencionou esta expressão para designar sua recopilação que completava à medida que se inspirava e com esta podia realizar publicações. O jornal Le Figaro publicou quatro partes pertencentes aos Pequenos Poemas em Prosa sob o título Spleen de Paris. Isto explica a estreita associação dos dois títulos.
Os olhos dos pobres é ilustrativo de como Baudelaire lidava com os contrastes, abordando com perfeição o recorrente tema do amor e da compreensão entre os seres humanos.
Os olhos dos pobres
De Le Spleen de Paris (Os Pequenos Poemas em Prosa)
Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será mais fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.
Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.
De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estréia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.
Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela idade.
Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.
Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será mais fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.
Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.
De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estréia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.
Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela idade.
Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.
Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"
Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam!
Fonte: http://www.vermelho.org.br/
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