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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O CARIRI EM ESTADO DE RESISTÊNCIA


Brincantes do Reisado Mirim Dedé de Luna do Muriti (Crato-Cariri-Ceará) - Foto de Cacá Araújo

Reisado

O vigor cultural do Cariri tem na cultura tradicional popular sua mais profunda representação. Pedaço grande de Brasil que foi colonizado a partir do sertão, com as entradas de gado, tem mais de três séculos de caldeamento de saberes e costumes do ameríndio que aqui habitava, do branco ibérico invasor e dos negros africanos trazidos como escravos principalmente para o cultivo da cana-de-açúcar.

O Reisado é um dos maiores e mais vivos legados dessa fusão de etnias. É um folguedo popular de grande complexidade, pois reúne em si elementos de vários outros folguedos, sendo o Bumba-meu-boi o mais importante dentre eles. É apresentado pela dança, pelo canto e pela representação dramática, guardando relação com a festa dos Santos Reis e, no Cariri, também com os rituais de coroação do Reis de Congo, pela forte influência africana.

O Reisado se apresenta com estrutura ou elementos distintos nas várias regiões do Estado. No Cariri, a presença do negro na cultura da cana-de-açúcar faz aparecer o Reisado como Reis de Congo. No sertão, a cultura do gado o transforma no Reis de Couro ou Reis de Careta. No litoral, surgem novas figuras como os "papangus" e o "folharal".


Dia de Reis

Três Reis Magos da Lapinha de Mãe Celina (Crato-Cariri-Ceará) - Foto de Antonio Vicelmo

A Tiração de Reis, pelos Reisados do Cariri cearense, ou a Folia de Reis em diversas outras regiões brasileiras, pelos grupos de foliões, são tradicionalmente realizadas no período de 25 de dezembro a 6 de janeiro, e tem sua origem primária na Festa do Sol Invencível, comemorada pelos romanos e depois adotada pelos egípcios. A festa romana era comemorada em 25 de dezembro (calendário gregoriano) e a egípcia em 6 de janeiro. No século III ficou estabelecido que dia 25 de dezembro se festejaria o nascimento de Cristo e 6 de janeiro, Dia dos Reis, homenageando os Reis Magos Gaspar, Melchior e Baltazar, que levaram ouro, incenso e mira, que representam, segundo a Igreja, as três dimensões de Cristo (realeza, divindade e humanidade). Durante 12 dias, a partir do Natal até 6 de janeiro, acontece a Tiração de Reis. Reisados, com seus brincantes, Catirinas e Mateus, tiram a jornada pelas ruas e casas das comunidades.

O Dia de Reis tem, portanto, sentido católico-cristão com profunda marca pagã em sua origem, sendo, por isso mesmo, uma celebração popular que atende e ao mesmo tempo subverte a ordem religiosa institucional, posto que funde símbolos sagrados da cristandade com manifestações cômicas, satíricas e grotescas ancestrais, como que ajudando a fertilizar o mundo para o retorno à livre unidade homem-cosmos.


Cariri - Território de Resistência Cultural 

Reisado Decolores Dedé de Luna do Muriti (Crato-Carriri-Ceará) - Foto de Júlio César

 O Cariri constitui território de resistência cultural em todas as frentes, do tradicional ao contemporâneo.

Resgatar e favorecer o desenvolvimento dos folguedos é imprescindível à consolidação da identidade cultural do nosso povo como nação constituída.

Os grupos de tradição popular são escolas de saberes generosamente ofertadas pela ancestralidade ainda pulsante nos dias de hoje. Desenvolvem papel de relevância sublime como peças de antropologia que nos esclarecem as contendas e epopéias passadas que temperaram a contemporaneidade. São portadores de valores que identificam a nossa região, remetendo-a a uma universalidade de largo alcance histórico e cultural.

Um dos principais entraves ao desenvolvimento de qualquer folguedo é a forte e criminosa carga midiática difundindo saberes e costumes estranhos à nossa cultura, muitos deles carregados de futilidade consumista e pornografia. É o rolo compressor do imperialismo dos novos tempos que pretende homogeneizar a existência humana a partir da lógica capitalista, capitaneada pelas potências dominantes.

A juventude é levada a negar-se e assumir a superficialidade necessária à manipulação plena no plano das idéias e do comportamento. Auto-estima, pertencimento, valores próprios, identidade, perspectivas de futuro, são-lhes retirados ainda no ventre. Os mestres heroicamente conseguem manter um canal de transmissão de saberes a poucos, de pequenos círculos familiares e comunitários, com ou sem a ajuda oficial.

Uma revolução cultural que priorizasse as raízes populares lhes dando status de embrião formador da verdadeira alma nacional, envolvendo o controle social das comunicações de massa nessa direção, fortalecendo a escola e a comunidade como fundamentais na defesa de valores legítimos e propulsores da emancipação humana, poderá mais facilmente alimentar a nossa soberania em todos os aspectos, inclusive no âmbito da cultura.    


Cacá Araújo
Professor, Folclorista e Dramaturgo
Diretor da Cia. Cearense de Teatro Brincante
Crato-Cariri-Ceará
6/Janeiro/2011

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