Texto de Luiz Monteiro
Joseany Oliveira, Carla Hemanuela, Cacá Araújo e Luiz Monteiro, em 20 de setembro de 2010, quando de uma das apresentações do espetáculo A COMÉDIA DA MALDIÇÃO, da Cia. Cearense de Teatro Brincante, no Teatro Rachel de Queiroz (Crato-CE) |
Dias atrás, chegou ao meu conhecimento a insatisfação dos artistas teatrais do Ceará, para com o ilustríssimo governador do Estado, alegando que ele destinou uma verba de um milhão e oitocentos mil reais, para o pagamento de um cachê para as "Dionisíacas", espetáculos do Teatro Oficina, de São Paulo, concebidos pelo diretor José Celso Martinez Correa.
Em princípio, ameacei ficar indignado. Porém, antes, me passou pela cabeça a possibilidade da notícia não ser verdadeira. Acalmei a indignação e consultei um amigo do Crato, que é um daqueles guerrilheiros, entrincheirado na luta pela cultura e pelo teatro do seu estado. E ele me confirmou: a tal verba fora sim destinada para tal finalidade, em comemoração ao centenário do Teatro José de Alencar.
Já ia me indignando novamente, quando parei para pensar na tremenda ironia do destino: em vida, o nosso querido e cearense José de Alencar, que foi também um aguerrido defensor do nosso teatro, lutando, na época, não somente pela criação de uma escola de artes dramáticas, pelo poder público, como também para que o nosso imperador voltasse os olhos e apoiasse o teatro nacional; no que não foi atendido. Morreu, sem ver seus anseios realizados e não levou um centavo dos cofres públicos, sendo o seu teatro menosprezado na época e desqualificado contemporaneamente por alguns de nossos prestigiados acadêmicos, defensores intransigentes de nossa colonização teatral. E, no entanto, hoje, em homenagem ao teatro que leva o seu nome, parece que o senhor governador resolveu reparar a injustiça cometida no passado, destinando tamanha verba para as comemorações.
Assim sendo, pela terceira vez, ameacei indignar-me, mas constatei que já estava esgotada a minha cota de indignação, pois já me indignei outras tantas vezes com notícias deste tipo, e também com relação às leis de incentivos fiscais à Cultura e ao Teatro, em nosso país.
Devo dizer que não tenho nada contra o Zé Celso e muito menos contra o seu teatro. No entanto, pudera todos os artistas teatrais cearenses desfrutarem do mesmo benefício, e porque não dizer, do mesmo privilégio, sobretudo, em se tratando de um país como o nosso, tendo em vista os míseros recursos destinados ao teatro! Mas, sei que vivemos num tempo estranho, onde já não se abrem mais conflitos, onde não se promovem mais os diálogos acerca de certas questões e onde os inimigos são tantos e nenhum, dependendo apenas "do lugar de onde se vê".
No entanto, não posso deixar de falar da falta de contrapartida social no uso do dinheiro público e das leis de incentivo à Cultutra. Como bem questiona um dos artistas cearenses: "quantas montagens poderiam ser realizadas no Ceará com esta verba?" "Quantos grupos seriam favorecidos, se esta verba fosse dividida?" Quantas pessoas teriam acesso ao teatro, com o bom senso e uso equilibrado deste dinheiro?" E pergunto ainda mais: estas apresentações foram oferecidas gratuitamente à população? Quem estava dentro do teatro e quem assistiu a estes espetáculos? Qual a contrapartida social que ofereceu este dinheiro, que saiu do bolso de cada cidadão cearense? E me lembrando de Brecht... "Para tantas perguntas... tão poucas respostas!"
Mas, parece que tudo faz parte de um chamado "processo democrático". Eu diria que isso tem outro nome: democraritarismo! Ou, a ditadura de uma elite cultural, eurocêntrica, que nega ou não reconhece os valores locais e também aqueles que lutam, dia-a-dia, para construir e reafirmar a identidade um teatro regional de qualidade. É como diz o ditado: "santo de casa não faz milagres!" E eu diria: "Não faz milagres... e ainda incomoda!"
Entretanto, gostaria de dizer aos artistas e irmãos cearenses que o que acontece por aí, não é diferente do que acontece por aqui, uma vez que a perversidade por aqui é ainda maior. Por aqui, o dinheiro vai pra mais gente, com verba igual ou superior, passando por uma verdadeira "indústria da lei", em cujas panelas são triturados e consumidos milhões de reais, saídos dos suados bolsos dos cidadãos contribuintes. E aqui não vai nenhum ressentimento de quem nunca recebeu nada do poder público, pois acredito que, uma vez que este dinheiro existe para tal finalidade, ele deve ser destinado àqueles cujos projetos, ao passar pelo crivo da avaliação pública, tenha o maior alcance social possível.
Mas, que isso não deva servir de consolo, nem a vocês e nem a ninguém com um mínimo senso de justiça e brasilidade. Pode-se dizer que, num passado recente, assistimos ao surgimento de um grande monstro que se apossou, usufruiu e continua usufruindo do dinheiro público destinado à Cultura. E como diz a canção: "O monstro é grande e pisa forte!"
Diante disso, resta a todos nós, artistas de todo o Brasil, comprometidos com o nosso povo, com o nosso teatro e com a nossa Cultura, lutarmos, tornando pública a precária política cultural que rege todas as instâncias de poder em nosso país. E esta luta se traduz num ato de resistência pela preservação de nossa identidade cultural e de nossos valores artísticos, bem como pela criação de uma política cultural idônea, que leve em consideração o direito de toda a população, ao acesso aos bens culturais, preservando, estimulando e valorizando a produção cultural regional e de todo o nosso país.
Luiz de Assis Monteiro
Confraria da Paixão
Teatro de Raízes Populares
São Paulo
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