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domingo, 29 de maio de 2011
TEMPO
“Como o homem seria desgraçado se não tivesse o dom maravilhoso de imaginar, de fantasiar, de sonhar! O que teria sido de mim se todo eu estivesse amarrado a este quotidiano doméstico e social! Mas não. Desde criança que sei que há um reduto inexpugnável: a clandestinidade do espírito."(Miguel Torga)
Muito tenho meditado sobre o tempo e sua não linearidade. Ora, as coisas são contadas por nós mas esta numeração é subjetiva embora pareça exata. Conheço gente de vinte anos mais travada ou impedida do que alguns de oitenta e seis, tendo meu pai como exemplo. Sei de mulheres que vivem uma relação tão solitária e desamorosa que, só quando esta se acaba, é que começam a experimentar verdadeira experiência amorosa com a vida. Ou seja, pode –se , em uma semana, ou até mesmo num dia , viver uma intensidade , um gozo, uma plenitude emocional que os trinta anos anteriores não foram capazes de proporcionar. Há assuntos nos quais me sinto com 5 anos de idade, outros, 180, noutros, um mês. Se para se mudar uma vida basta um dia, esta é única compensação que temos para o inevitável tempo perdido. Minha estratégia é alinhar-me a ele, ao implacável Tempo rei, sabedora de que ele não para e não espera ninguém. Tento ir junto, saboreando o presente, criando alternativas que o otimizem e me adiantem umas “casas” nos departamentos onde o perdi.
Lembrei –me agora de uma vez, no interior do Espírito Santo, em que conheci um lavrador a quem pedi informação e ele, atencioso, seguira ao meu lado pela estrada de terra, para me deixar no destino que eu queria naquela zona rural. O sol da tarde calma, nosso passos e a conversa rolando. Como o é o nome do senhor? Ah, minha fia, meu nome é Rosa. Que bonito, tipo Noel Rosa, Guimarães Rosa, o seu é como? O meu é Rosa Maria. Meu deus, nome de mulher! E o pessoal não ficou de chacota com senhor não? Nada minha fia, é que minha mãe teve nove filhos. Tudo menino-home. Quando chegou na minha vez, que eu sou o último, a parteira falou que mais um que ela tivesse ia virar anjo, porque ela já estava de ventre cansado. Ah, ela não duvidou e falou: “ não quero nem saber, seja home ou mulher, o que sair daqui vai se chamar Rosa Maria. Sempre quis uma filha só pra botar este nome!.” E assim foi, minha fia, era eu e é meu nome. Eu gosto sabe, acho bonito ter nome de flor.
Fiquei olhando aquele homem lindo, muito preto , a pele do corpo sem camisa reluzia fina sobre a musculatura definida pela malhação na lavoura diária. Deve ter uns setenta anos, pensei fixando meus olhos nas mãos calejadíssimas. O cabelo começando a embranquecer na frente a raiz. Quanto anos o senhor tem seu Rosa? Ih, minha fia, agora ocê me apertou sem me abraçar. Ocê sabe que eu não sei?! Então porque o senhor não pergunta à sua mãe. Num cunhici, ela morreu no parto. Depois meu pai até falou de trocar meu nome, mas foi enrolando e não quis trair a vontade dela, né? Mas eu não sei mesmo minha idade. Mas o senhor não faz nem uma idéia assim mais ou menos? Quantos anos o senhor dá pro senhor? Ah, eu já tô aí beirando os quarenta, ou cinquenta, por aí.
Me enterneci. Não tinha importância o código. Não interferia no seu roteiro, não era decisivo no tema da felicidade. Os olhos de Rosa Maria seguiam sorridentes entre a verde mata do norte capixaba e eu encantada ao lado daquela entidade, aquele preto velho com postura de carvalho. Seu Rosa Maria impunha respeito pela sua extrema felicidade e a mim, especialmente encantava por colocar esta subjetividade simbólica numérica no seu devido lugar. Quase chegando na fazenda aonde eu ia, ainda insisti: Será que não há um jeito de o senhor saber ? Óia ,minha fia, tem sim. Diz que lá par cima , ali pertinho da Serra da Boa Vista, mora um que nem eu assim, que eu mamei na mãe dele. Então eu penso em falar com ele e pela idade dele tirar a minha, porque eles falam que nós mamamos na mesma época. A mãe dele inda tá viva. Não é de hoje que tô pra ir lá perguntar a véia, menina, mas cadê tempo?
(Elisa Lucinda)
FONTE: http://www.escolalucinda.com.br
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