Museu do Sertão (1)
Benedito
Vasconcelos Mendes (2)
O Museu do Sertão é um museu
temático. Tem como objetivos preservar e exibir objetos, utensílios domésticos,
implementos agrícolas, apetrechos de trabalho, equipamentos e máquinas do setor
produtivo dos habitantes do sertão semiárido nordestino. Foi inaugurado em 31
de agosto de 2003 e está localizado na Fazenda Rancho Verde, às margens da
Estrada da Alagoinha, a 4 km da cidade de Mossoró-RN. É de propriedade do
Engenheiro Agrônomo Benedito Vasconcelos Mendes e está disponível para receber
visitantes que tenham interesse cultural. Não é cobrado entrada e os
interessados poderão agendar visitas pelo telefone (84) 9972-2139.
Com base nas peças do acervo
do Museu do Sertão é possível traçar um perfil muito aproximado do homem
regional, resgatando sua história de vida, sua religiosidade, sua culinária,
sua arte, sua cultura, suas tradições e principalmente, suas atividades
produtivas.
O meio físico do sertão seco e
quente do Nordeste brasileiro, com seu clima semiárido tropical, com suas secas
catastróficas, com suas chuvas reduzidas e altamente variáveis no tempo e no
espaço, com seus solos pobres, pedregosos ou excessivamente arenosos, com seus
rios intermitentes e com sua vegetação raquítica, seca e espinhenta, moldou uma
civilização típica desta região, que Paulo de Brito Guerra denominou de
“Civilização da Seca”. Esta civilização sedimentou sua identidade cultural no
período de 1880 a 1980, quando a população sertaneja tornou-se densa e as vilas
e cidades regionais prosperaram, devido a introdução de outras atividades
econômicas, que vieram se somar à pecuária bovina. Foi a partir de 1880 que se
expandiram a cultura do algodão mocó e o extrativismo da cera de carnaúba, da
borracha de maniçoba, do óleo de oiticica e da fibra de caroá, oferecendo
alternativas econômicas, aos sertanejos, além da criação de gado e da
fabricação de farinha de mandioca, de rapadura e de cachaça. O final do período
áureo da Civilização da Seca coincidiu com a introdução da praga do bicudo do
algodoeiro no Brasil, no início da década de 1980, que fez com que as fazendas
do sertão semiárido deixassem de ser lucrativas, o que provocou o
empobrecimento e o despovoamento regional. Concomitante com o estabelecimento
da referida praga do algodoeiro, ocorreu a chegada da eletrificação rural no interior
do Nordeste, que possibilitou o uso do motor elétrico nas agroindústrias (Casa
de Farinha, Engenho de Rapadura, Alambique de Cachaça e outras) e a chegada da
televisão nas vilas e cidades sertanejas, alterando o hábito e os costumes do
povo do sertão.
A Civilização da Seca possui
hábitos, costumes, tradições, crenças e religiosidades peculiares. Esta
Civilização da Seca foi capaz de originar um cangaceirismo, uma poesia popular,
uma musicalidade, uma culinária e uma arquitetura de taipa próprios do
semiárido.
A religiosidade messiânica, às
vezes fanática, devido ao endeusamento dos líderes religiosos, que era
praticada no sertão, deu origem, juntamente com o sincretismo religioso baiano,
a um tipo muito particular de prática religiosa.
O Padre Ibiapina, que se
ordenou com idade madura (46 anos), após ter sido noivo, Professor da Faculdade
de Direito de Olinda, Advogado, Juiz de Direito e Deputado, foi o primeiro
líder religioso do Nordeste a exercitar uma prática religiosa diferenciada,
feita no templo e fora dele, cuidando do espírito e do corpo dos mais
necessitados. Ele percorreu por quase três décadas os sertões do Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba e de Pernambuco, construindo capelas, cemitérios,
açudes, poços e, principalmente, as famosas Casas de Caridade, que eram asilos
para crianças órfãs e velhos abandonados. Foi o missionário da caridade, o
peregrino que evangelizou e transmitiu a fé, e também, que organizou e
colaborou com o crescimento material e social do povo.
O Beato Antônio Conselheiro
tinha grande admiração pelo trabalho missionário executado pelo Padre Ibiapina,
baseado na assistência espiritual e social dos mais pobres, unindo oração e
ação. Conselheiro espelhou-s na prática religiosa de Ibiapina para suas ações
como beato. Com exceção das Casas de Caridade, Antônio Conselheiro construía
tudo que Ibiapina tinha construído: capelas, cemitérios, açudes... Conselheiro não
fazia Casas de Caridade porque não merecia a atenção das elites das vilas e
cidades que visitava, pois estes asilos eram mantidos pela classe abastada do
lugar. Antônio Conselheiro realizava uma prática religiosa marginal, somente
para os miseráveis, não aprovada pelos padres e nem apoiada pelos ricos e
letrados da região. Para alimentar a fé ele pregava o Evangelho, fazia orações,
entoava cânticos e louvores e, para alimentar e vestir o corpo, ele fundou o
Arraial Bom Jesus (Canudos), onde o trabalho era comunitário e a colheita
socializada.
O Padre Cícero de Juazeiro foi
o terceiro grande líder religioso a surgir no sertão nordestino, com uma
atuação religiosa marcante em Juazeiro do Norte, no Ceará, onde ainda hoje é
venerado pelos romeiros que para lá se deslocam, vindos dos mais longínquos
rincões sertanejos.
O Beato Zé Lourenço, discípulo
e auxiliar do Padre Cícero, estabeleceu-se em uma propriedade do Padre Cícero
denominada Caldeirão, próxima a Juazeiro do Norte, onde organizou uma Fazenda
Comunitária com os romeiros de Juazeiro. Foi líder espiritual e administrativo
da comunidade de Caldeirão que, depois de Canudos do Beato Antônio Conselheiro,
foi a segunda experiência socialista de caráter religioso que ocorreu no sertão
nordestino.
O Frei Damião, italiano de
nascimento e com formação religiosa na Itália, dedicou quase toda sua longa
vida sacerdotal às Santas Missões nas vilas e cidades sertanejas.
O cangaceirismo, que surgiu
como resposta ao abandono, à miséria e às injustiças sociais do povo do sertão,
teve como principais chefes de bandos os cangaceiros: Cabeleira, Jesuíno
Brilhante, Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco. A índole do
caboclo nordestino reagiu aos privilégios e a prepotência dos poderosos,
originando, inicialmente o cangaceiro justiceiro, como bem demonstra a atuação
de Jesuíno Brilhante e, depois, o cangaço extorquidor e sanguinário. A raça
nordestina (o caboclo) formada pelo sangue do aventureiro português, do índio e
do negro, herdou a valentia e o espírito libertário dos guerreiros e nômades
cariris. Os indígenas do sertão nordestino (cariris), eram tão valentes que
retardaram a colonização da região. A Guerra dos Bárbaros, no sertão
norte-riograndense, ilustra bem o instinto guerreiro dos nativos caatingueiros.
Os gentios do semiárido eram nômades e valentes, como nômades e valentes foram
também os cangaceiros.
Além do cangaceiro, na
Civilização da Seca, dois tipos humanos se destacaram pela habilidade e
coragem. No sertão, o vaqueiro, com sua indumentária apropriada (vestia) para o
manejo do gado na mata esgalhada e espinhenta, e, no litoral semiárido, onde a
caatinga avança até a praia, o jangadeiro, que, com sua frágil jangada de paus
roliços, se aventurava em alto mar, enfrentando o perigo dos ventos e das
ondas.
A poesia popular passou a ser
estudada e valorizada pelos intelectuais e pelas academias graças à genialidade
poética do cearense Patativa do Assaré. Antes de Patativa, outros cordelistas,
também geniais, já tinham imortalizado este gênero de poesia, dentre eles, os
paraibanos Leandro Gomes de Barros, Romano de Mãe d´Água e Inácio da
Caatingueira, os norte-rio-grandenses Eliseu Ventania e Manuel Serrador e, mais
recentemente, os pernambucanos Irmãos Batista (Otacílio, Dimas e Lourival).
A música regional tornou-se
conhecida em todo país graças ao gênio musical do pernambucano Luiz Gonzaga e
do cantor e ritmista Jackson do Pandeiro, que introduziram o baião, o xote e o
xaxado no cerne da música popular brasileira, sendo hoje de aceitação em todo
território nacional.
A culinária do Nordeste
brasileiro, preparada com poucos ingredientes não perecíveis, que no passado
podiam ser armazenados de um ano para outro, portanto, podendo ser adquiridos
mesmo durante as secas, como farinha e goma de mandioca, rapadura, queijo de
coalho, manteiga de garrafa, carne seca e feijão-de-corda, é hoje conhecida e
apreciada nacionalmente.
A Civilização da Seca originou
uma arte diferente daquela encontrada no litoral úmido açucareiro, que
corresponde à Zona da Mata, região rica, onde floresceu a arte contemplativa,
baseada na pintura e na escultura. Quando se visitam as capelas, as igrejas, os
conventos, os mosteiros, os solares e os palacetes de Olinda e Recife e de
Salvador, observa-se a exuberância das artes plásticas, onde as pinturas e as
esculturas servem de ornamentação a estes prédios de refinada arquitetura,
construídos pela riqueza proporcionada pelo ciclo da cana-de-açúcar. Ao
contrário da arte do litoral açucareiro, a arte sertaneja é utilitária e não
contemplativa. Os artistas do sertão direcionavam toda a sua criatividade, todo
seu talento, toda sua inventividade para engendrar objetos úteis, para
facilitar a vida nesta região semiárida, para que a população pudesse melhor
sobreviver por ocasião das secas. Não eram artistas plásticos, os que faziam a
arte no sertão. Eram mestres de ofício, como os velhos carapinas, ferreiros,
louceiros, tanoeiros, flandeiros, rendeiras e muitos outros artífices, que
exercitavam as artes e os ofícios nos sertões atormentados pelas secas.
A riqueza da região canavieira
fez florescer as artes plásticas, valorizando o “belo”, enquanto a pobreza do
Polígono das Secas fez surgir novos artefatos de uso, que auxiliaram na
sobrevivência das populações locais durante as secas, valorizando assim o
“útil”. Uma das poucas manifestações artísticas somente contemplativa que
surgiu no Polígono das Secas foi a expressada pelo Mestre Vitalino de Caruaru –
PE, que idealizou e difundiu a feitura de “bonecos de barro”, representando
cenas do cotidiano do homem regional. As rendas, os bordados, o artesanato de
palha e as louças de barro, embora apresentem beleza plástica, são peças de uso
diário da população.
No Museu do Sertão a arte que
se observa é a que está presente no gigantesco caixão de farinha, no reforçado
caixão de rapadura, na tosca prensa usada na Casa de Farinha, na complexa
bolandeira para o uso da tração animal, no robusto carro de boi, no pilão, no
tonel para transportar água e em muitos outros artefatos usados no setor
produtivo sertanejo do passado. Os artesãos de então utilizavam as
matérias-primas que a natureza oferecia em abundância: a madeira, o couro, o
barro, o algodão, a palha e o cipó. Quase tudo era feito com estas
matérias-primas naturais, pois, somente muito tempo depois, foi que apareceram
as matérias-primas de origem industrial, como o ferro, o aço, o bronze, o
cobre, o alumínio, o vidro, a borracha e o plástico. As rústicas agroindústrias
do passado, como a Casa de Farinha, o Engenho de Rapadura, o Alambique de
Cachaça, o Descaroçador de Algodão, a Casa de Beneficiar Cera de Carnaúba, a
Oficina de Preparar a Fibra de Caroá, o Galpão de Preparo da Borracha de
Maniçoba, a Usina de Óleo de Oiticica, a Cozinha de Queijo de Coalho e a Sala
de Fiar e Tecer, eram montadas com base na engenharia empírica dos artífices
regionais. O saber popular transmitido pela tradição oral somava-se ao talento
do artesão, resultando na manufaturação dos utensílios domésticos, apetrechos
de trabalho, implementos agrícolas e equipamentos do setor produtivo.
O Museu do Sertão tenta
resgatar a engenharia popular, o saber empírico transmitido de pai para filho
pela linguagem oral, que estão materializados nos objetos que foram construídos
e usados pelo povo no seu dia-a-dia, nos sertões semiáridos. Traços dos
costumes, das tradições, do conhecimento empírico, do modus vivendi, da sensibilidade artística e da vivência cultural do
povo regional de antigamente podem ser interpretados a partir do acervo
material que está presente no Museu do Sertão. As peças utilitárias existentes
no Museu do Sertão são testemunhas perenes dos valores não materiais e
materiais dos antigos sertanejos que viveram nas caatingas do Nordeste
brasileiro.
O Museu do Sertão é formado
por uma Casa de Taipa, com sua mobília e utensílios domésticos mais
tradicionais, de uma Bodega, com seu aspecto típico sertanejo e três Galpões de
Exposição. No Galpão número 01 estão expostas os equipamentos máquinas do setor
procutivo, principalmente das rústicas agroindústrias sertanejas. No Galpão
número 02 estão exibidos os apetrechos de trabalho dos velhos Mestres de Ofício
(carpinteiro, tanoeiro, ferreiro, flandeiro, seleiro e outros) e dos antigos
profissionais de serviço (alfaiate, barbeiro, costureira, etc.). No Galpão
número 03, estão as bolandeiras, que são grandes engrenagens de madeira que
possibilitam o uso da tração animal, para mover moendas de cana, caititu de
Casa de Farinha, rolos de descaroçar algodão, máquinas de pilar arroz e outros
equipamentos da arcaica indústria sertaneja de então.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
GUERRA, P. de B. A Civilização da Seca. Fortaleza/CE:
DNOCS, 1981. 324p.
(1) Palestra realizada por
ocasião da visita ao Museu do Sertão do Secretário Executivo do MAPA, Dr. Luiz
Gomes de Souza e dos Superintendentes Federais de Agricultura nos Estados do
Norte e Nordeste, no dia 26 de agosto de 2006.
(2) Benedito Vasconcelos Mendes
é Engenheiro Agrônomo, Professor, Mestre e Doutor, Membro da Academia de
Ciências do Rio Grande do Norte e Superintendente Federal da Agricultura no Rio
Grande do Norte.
FONTE: MENDES, Benedito Vasconcelos.
Museu do Sertão. Natal/RN:
Superintendência Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Norte, 2006.
18p.
Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes
Peça exposta no Museu do Sertão
Peças expostas no Museu do Sertão
Entrada do Museu do Sertão
Peça exposta no Museu do Sertão
Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes
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