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domingo, 21 de abril de 2013

Museu do Sertão. Por: Benedito Vasconcelos Mendes


Museu do Sertão (1)

Benedito Vasconcelos Mendes (2)

 

O Museu do Sertão é um museu temático. Tem como objetivos preservar e exibir objetos, utensílios domésticos, implementos agrícolas, apetrechos de trabalho, equipamentos e máquinas do setor produtivo dos habitantes do sertão semiárido nordestino. Foi inaugurado em 31 de agosto de 2003 e está localizado na Fazenda Rancho Verde, às margens da Estrada da Alagoinha, a 4 km da cidade de Mossoró-RN. É de propriedade do Engenheiro Agrônomo Benedito Vasconcelos Mendes e está disponível para receber visitantes que tenham interesse cultural. Não é cobrado entrada e os interessados poderão agendar visitas pelo telefone (84) 9972-2139.

Com base nas peças do acervo do Museu do Sertão é possível traçar um perfil muito aproximado do homem regional, resgatando sua história de vida, sua religiosidade, sua culinária, sua arte, sua cultura, suas tradições e principalmente, suas atividades produtivas.

O meio físico do sertão seco e quente do Nordeste brasileiro, com seu clima semiárido tropical, com suas secas catastróficas, com suas chuvas reduzidas e altamente variáveis no tempo e no espaço, com seus solos pobres, pedregosos ou excessivamente arenosos, com seus rios intermitentes e com sua vegetação raquítica, seca e espinhenta, moldou uma civilização típica desta região, que Paulo de Brito Guerra denominou de “Civilização da Seca”. Esta civilização sedimentou sua identidade cultural no período de 1880 a 1980, quando a população sertaneja tornou-se densa e as vilas e cidades regionais prosperaram, devido a introdução de outras atividades econômicas, que vieram se somar à pecuária bovina. Foi a partir de 1880 que se expandiram a cultura do algodão mocó e o extrativismo da cera de carnaúba, da borracha de maniçoba, do óleo de oiticica e da fibra de caroá, oferecendo alternativas econômicas, aos sertanejos, além da criação de gado e da fabricação de farinha de mandioca, de rapadura e de cachaça. O final do período áureo da Civilização da Seca coincidiu com a introdução da praga do bicudo do algodoeiro no Brasil, no início da década de 1980, que fez com que as fazendas do sertão semiárido deixassem de ser lucrativas, o que provocou o empobrecimento e o despovoamento regional. Concomitante com o estabelecimento da referida praga do algodoeiro, ocorreu a chegada da eletrificação rural no interior do Nordeste, que possibilitou o uso do motor elétrico nas agroindústrias (Casa de Farinha, Engenho de Rapadura, Alambique de Cachaça e outras) e a chegada da televisão nas vilas e cidades sertanejas, alterando o hábito e os costumes do povo do sertão.

A Civilização da Seca possui hábitos, costumes, tradições, crenças e religiosidades peculiares. Esta Civilização da Seca foi capaz de originar um cangaceirismo, uma poesia popular, uma musicalidade, uma culinária e uma arquitetura de taipa próprios do semiárido.

A religiosidade messiânica, às vezes fanática, devido ao endeusamento dos líderes religiosos, que era praticada no sertão, deu origem, juntamente com o sincretismo religioso baiano, a um tipo muito particular de prática religiosa.

O Padre Ibiapina, que se ordenou com idade madura (46 anos), após ter sido noivo, Professor da Faculdade de Direito de Olinda, Advogado, Juiz de Direito e Deputado, foi o primeiro líder religioso do Nordeste a exercitar uma prática religiosa diferenciada, feita no templo e fora dele, cuidando do espírito e do corpo dos mais necessitados. Ele percorreu por quase três décadas os sertões do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e de Pernambuco, construindo capelas, cemitérios, açudes, poços e, principalmente, as famosas Casas de Caridade, que eram asilos para crianças órfãs e velhos abandonados. Foi o missionário da caridade, o peregrino que evangelizou e transmitiu a fé, e também, que organizou e colaborou com o crescimento material e social do povo.

O Beato Antônio Conselheiro tinha grande admiração pelo trabalho missionário executado pelo Padre Ibiapina, baseado na assistência espiritual e social dos mais pobres, unindo oração e ação. Conselheiro espelhou-s na prática religiosa de Ibiapina para suas ações como beato. Com exceção das Casas de Caridade, Antônio Conselheiro construía tudo que Ibiapina tinha construído: capelas, cemitérios, açudes... Conselheiro não fazia Casas de Caridade porque não merecia a atenção das elites das vilas e cidades que visitava, pois estes asilos eram mantidos pela classe abastada do lugar. Antônio Conselheiro realizava uma prática religiosa marginal, somente para os miseráveis, não aprovada pelos padres e nem apoiada pelos ricos e letrados da região. Para alimentar a fé ele pregava o Evangelho, fazia orações, entoava cânticos e louvores e, para alimentar e vestir o corpo, ele fundou o Arraial Bom Jesus (Canudos), onde o trabalho era comunitário e a colheita socializada.

O Padre Cícero de Juazeiro foi o terceiro grande líder religioso a surgir no sertão nordestino, com uma atuação religiosa marcante em Juazeiro do Norte, no Ceará, onde ainda hoje é venerado pelos romeiros que para lá se deslocam, vindos dos mais longínquos rincões sertanejos.

O Beato Zé Lourenço, discípulo e auxiliar do Padre Cícero, estabeleceu-se em uma propriedade do Padre Cícero denominada Caldeirão, próxima a Juazeiro do Norte, onde organizou uma Fazenda Comunitária com os romeiros de Juazeiro. Foi líder espiritual e administrativo da comunidade de Caldeirão que, depois de Canudos do Beato Antônio Conselheiro, foi a segunda experiência socialista de caráter religioso que ocorreu no sertão nordestino.

O Frei Damião, italiano de nascimento e com formação religiosa na Itália, dedicou quase toda sua longa vida sacerdotal às Santas Missões nas vilas e cidades sertanejas.

O cangaceirismo, que surgiu como resposta ao abandono, à miséria e às injustiças sociais do povo do sertão, teve como principais chefes de bandos os cangaceiros: Cabeleira, Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco. A índole do caboclo nordestino reagiu aos privilégios e a prepotência dos poderosos, originando, inicialmente o cangaceiro justiceiro, como bem demonstra a atuação de Jesuíno Brilhante e, depois, o cangaço extorquidor e sanguinário. A raça nordestina (o caboclo) formada pelo sangue do aventureiro português, do índio e do negro, herdou a valentia e o espírito libertário dos guerreiros e nômades cariris. Os indígenas do sertão nordestino (cariris), eram tão valentes que retardaram a colonização da região. A Guerra dos Bárbaros, no sertão norte-riograndense, ilustra bem o instinto guerreiro dos nativos caatingueiros. Os gentios do semiárido eram nômades e valentes, como nômades e valentes foram também os cangaceiros.

Além do cangaceiro, na Civilização da Seca, dois tipos humanos se destacaram pela habilidade e coragem. No sertão, o vaqueiro, com sua indumentária apropriada (vestia) para o manejo do gado na mata esgalhada e espinhenta, e, no litoral semiárido, onde a caatinga avança até a praia, o jangadeiro, que, com sua frágil jangada de paus roliços, se aventurava em alto mar, enfrentando o perigo dos ventos e das ondas.    

A poesia popular passou a ser estudada e valorizada pelos intelectuais e pelas academias graças à genialidade poética do cearense Patativa do Assaré. Antes de Patativa, outros cordelistas, também geniais, já tinham imortalizado este gênero de poesia, dentre eles, os paraibanos Leandro Gomes de Barros, Romano de Mãe d´Água e Inácio da Caatingueira, os norte-rio-grandenses Eliseu Ventania e Manuel Serrador e, mais recentemente, os pernambucanos Irmãos Batista (Otacílio, Dimas e Lourival).

A música regional tornou-se conhecida em todo país graças ao gênio musical do pernambucano Luiz Gonzaga e do cantor e ritmista Jackson do Pandeiro, que introduziram o baião, o xote e o xaxado no cerne da música popular brasileira, sendo hoje de aceitação em todo território nacional.

A culinária do Nordeste brasileiro, preparada com poucos ingredientes não perecíveis, que no passado podiam ser armazenados de um ano para outro, portanto, podendo ser adquiridos mesmo durante as secas, como farinha e goma de mandioca, rapadura, queijo de coalho, manteiga de garrafa, carne seca e feijão-de-corda, é hoje conhecida e apreciada nacionalmente.

A Civilização da Seca originou uma arte diferente daquela encontrada no litoral úmido açucareiro, que corresponde à Zona da Mata, região rica, onde floresceu a arte contemplativa, baseada na pintura e na escultura. Quando se visitam as capelas, as igrejas, os conventos, os mosteiros, os solares e os palacetes de Olinda e Recife e de Salvador, observa-se a exuberância das artes plásticas, onde as pinturas e as esculturas servem de ornamentação a estes prédios de refinada arquitetura, construídos pela riqueza proporcionada pelo ciclo da cana-de-açúcar. Ao contrário da arte do litoral açucareiro, a arte sertaneja é utilitária e não contemplativa. Os artistas do sertão direcionavam toda a sua criatividade, todo seu talento, toda sua inventividade para engendrar objetos úteis, para facilitar a vida nesta região semiárida, para que a população pudesse melhor sobreviver por ocasião das secas. Não eram artistas plásticos, os que faziam a arte no sertão. Eram mestres de ofício, como os velhos carapinas, ferreiros, louceiros, tanoeiros, flandeiros, rendeiras e muitos outros artífices, que exercitavam as artes e os ofícios nos sertões atormentados pelas secas.

A riqueza da região canavieira fez florescer as artes plásticas, valorizando o “belo”, enquanto a pobreza do Polígono das Secas fez surgir novos artefatos de uso, que auxiliaram na sobrevivência das populações locais durante as secas, valorizando assim o “útil”. Uma das poucas manifestações artísticas somente contemplativa que surgiu no Polígono das Secas foi a expressada pelo Mestre Vitalino de Caruaru – PE, que idealizou e difundiu a feitura de “bonecos de barro”, representando cenas do cotidiano do homem regional. As rendas, os bordados, o artesanato de palha e as louças de barro, embora apresentem beleza plástica, são peças de uso diário da população.

No Museu do Sertão a arte que se observa é a que está presente no gigantesco caixão de farinha, no reforçado caixão de rapadura, na tosca prensa usada na Casa de Farinha, na complexa bolandeira para o uso da tração animal, no robusto carro de boi, no pilão, no tonel para transportar água e em muitos outros artefatos usados no setor produtivo sertanejo do passado. Os artesãos de então utilizavam as matérias-primas que a natureza oferecia em abundância: a madeira, o couro, o barro, o algodão, a palha e o cipó. Quase tudo era feito com estas matérias-primas naturais, pois, somente muito tempo depois, foi que apareceram as matérias-primas de origem industrial, como o ferro, o aço, o bronze, o cobre, o alumínio, o vidro, a borracha e o plástico. As rústicas agroindústrias do passado, como a Casa de Farinha, o Engenho de Rapadura, o Alambique de Cachaça, o Descaroçador de Algodão, a Casa de Beneficiar Cera de Carnaúba, a Oficina de Preparar a Fibra de Caroá, o Galpão de Preparo da Borracha de Maniçoba, a Usina de Óleo de Oiticica, a Cozinha de Queijo de Coalho e a Sala de Fiar e Tecer, eram montadas com base na engenharia empírica dos artífices regionais. O saber popular transmitido pela tradição oral somava-se ao talento do artesão, resultando na manufaturação dos utensílios domésticos, apetrechos de trabalho, implementos agrícolas e equipamentos do setor produtivo.

O Museu do Sertão tenta resgatar a engenharia popular, o saber empírico transmitido de pai para filho pela linguagem oral, que estão materializados nos objetos que foram construídos e usados pelo povo no seu dia-a-dia, nos sertões semiáridos. Traços dos costumes, das tradições, do conhecimento empírico, do modus vivendi, da sensibilidade artística e da vivência cultural do povo regional de antigamente podem ser interpretados a partir do acervo material que está presente no Museu do Sertão. As peças utilitárias existentes no Museu do Sertão são testemunhas perenes dos valores não materiais e materiais dos antigos sertanejos que viveram nas caatingas do Nordeste brasileiro.

O Museu do Sertão é formado por uma Casa de Taipa, com sua mobília e utensílios domésticos mais tradicionais, de uma Bodega, com seu aspecto típico sertanejo e três Galpões de Exposição. No Galpão número 01 estão expostas os equipamentos máquinas do setor procutivo, principalmente das rústicas agroindústrias sertanejas. No Galpão número 02 estão exibidos os apetrechos de trabalho dos velhos Mestres de Ofício (carpinteiro, tanoeiro, ferreiro, flandeiro, seleiro e outros) e dos antigos profissionais de serviço (alfaiate, barbeiro, costureira, etc.). No Galpão número 03, estão as bolandeiras, que são grandes engrenagens de madeira que possibilitam o uso da tração animal, para mover moendas de cana, caititu de Casa de Farinha, rolos de descaroçar algodão, máquinas de pilar arroz e outros equipamentos da arcaica indústria sertaneja de então.   

 
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

 
GUERRA, P. de B. A Civilização da Seca. Fortaleza/CE: DNOCS, 1981. 324p.


(1) Palestra realizada por ocasião da visita ao Museu do Sertão do Secretário Executivo do MAPA, Dr. Luiz Gomes de Souza e dos Superintendentes Federais de Agricultura nos Estados do Norte e Nordeste, no dia 26 de agosto de 2006.

 
(2) Benedito Vasconcelos Mendes é Engenheiro Agrônomo, Professor, Mestre e Doutor, Membro da Academia de Ciências do Rio Grande do Norte e Superintendente Federal da Agricultura no Rio Grande do Norte.

 
FONTE: MENDES, Benedito Vasconcelos. Museu do Sertão. Natal/RN: Superintendência Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Norte, 2006. 18p.

 
Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes 

 
Peça exposta no Museu do Sertão

 
Peças expostas no Museu do Sertão

 
Entrada do Museu do Sertão

 
Peça exposta no Museu do Sertão


 
 

 
Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes

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