(*) Jerdivan Nóbrega de Araújo
Ao banhar-se nas preciosas águas do velho açude de Condado, o sertanejo não imagina quantas histórias há a lhe contemplar do alto daquele imenso e inexorável paredão, construído com barro sangue e o suor do homem sertanejo.
As pedras que calçam as ruas de Condado, Malta e Pombal também são testemunhas incontestes destas histórias que o tempo trata de sepultar, juntamente com a memória dos seus anti-heróis. Mas, e os livros, o que estes dizem a respeito destes fatos?
O regionalismo de Ignez Mariz em “A barragem” e José Américo com “A bagaceira” trouxe aos nossos dias a fadiga diária do homem do sertão e a sua luta para sobreviver nas terras dos seus senhores, porém, por serem ambos parte da elite exploradora, se negaram a mostrar a face dos que realmente sobreviviam da exploração do sertanejo em sua condição de homens oprimidos. Relataram o sofrimento do sertanejo como se fosse, este sofrimento, a conseqüência natural do esturricante sol que queima as caatingas. O que aconteceu na Paraíba foi o espelho dos mesmos fatos acontecidos, num mesmo tempo, em todo o Nordeste coronelista e poderia ser contado por Graciliano Ramos ou por Euclides da Cunha e até, por que não, pelo grande Luiz Gonzaga. Porém, este também descreveu o homem sempre como vítimas dos poderes de Deus, personalizado - este poder - na seca causticante que põe o homem com o pé na estrada.
Existe, no relato desses fatos, uma lacuna a ser preenchida. Se havia explorado, acredito, deveria haver exploradores, porém, quem seriam eles? Não pode toda a culpa recair sobre o clima e os poderes de Deus.
Confesso que quando fui convidado pelo escritor e professor universitário José Romero Araújo Cardoso para fazer a apresentação de Aos pés de São Sebastião, eu pensei ser mais uma novela regionalista onde o homem do sertão aparece como vitima da seca. Fiquei surpreso, ao encontrar naquele relato o outro lado da medalha: um algoz a mais que não fosse só os “castigos de Deus”. Encontrei ali a figura do Coronel, dono da terra e de tudo que há sobre a mesma, inclusive os destinos dos homens.
“Aos Pés de São Sebastião” teve, entre outros, o mérito de contar em um micro espaço físico o que acontecia, na época, em toda uma região. A força política sobrepondo-se aos interesses de uma maioria; a seca produzindo riqueza para uma minoria e, afinal, colocando, como diria mãe Lourdes (**), o preto no branco. Se há explorado tem que haver exploradores e, no relato de Aos pés de São Sebastião, este preto e este branco se apresentaram de forma clara.
Ao contrário do que eu esperava, o sertanejo entra como coadjuvante necessário, numa trama envolvendo a arrogância de famílias poderosas que se alternavam no comando do destino do homem do sertão. É a luta do coronel com o coronel. “No fritar dos ovos”, ambos ganham e só sertanejo perde.
Muitas histórias de coronéis ainda hão de surgir em páginas de livros. Não se trata de revanche ou da tentativa de denegrir imagens de pessoas que hoje dão nome às ruas em cidades do sertão, pois, também os coronéis, foram produtos do meio. É, antes de tudo, uma forma de lembrar que o coronelismo não derrubava apenas governos provincianos: muitos sertanejos foram, e continuam sendo, derrubados pelo coronelismo que ainda impera no nosso sertão.
Lembrar, também, que do açude de Condado ao Canal da Redenção nada, para o sertanejo, mudou. No primeiro caso, quem teve em suas mãos a construção do açude ganhou a prefeitura. Hoje é a Paraíba que se rende ao canal da redenção. Se em Condado o açude represou água, poder e voto, o canal não tem função diferente.
(*) Jerdivan Nóbrega de Araújo é Bacharel em Direito, escritor, poeta e funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).
(**) Mãe Lourdes (Benigna Lourdes de Sousa) era natural de Pombal, estado da Paraíba, nascida a 04 de outubro de 1901 e falecida a 21 de abril de 1995 em João Pessoa, estado da Paraíba.
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